Já não ouço os pássaros quando ando
por aí nas manhãs frias. Há quem diga que eu deva tirar um pouco a
música dos meus ouvidos e apenas parar para apreciar o mundo em
silêncio, mas só o que eu conseguiria ouvir seriam os carros e suas
buzinas. Além disso, já há um grande silêncio dentro de mim, que
grita por palavras bonitas e mais amor e mais paz e mais músicas e
mais beleza em tudo, e se eu tirar a música provavelmente fique
surda.
Eu prefiro simplesmente me esquecer, na
maior parte dos dias, e continuar calada, porque se eu for abrir a
boca as lágrimas vão cair e as cicatrizes vão aparecer, vou
parecer tão louca e imbecil, e provavelmente as pessoas que me
conhecem vão me achar tão outra pessoa que não vão entender nada
e simplesmente ir embora. Ou não. Mas, bem, eu prefiro não
arriscar.
Escolhi as palavras (mesmo que as
tristes), porque você lê como se tudo estivesse bem. Alguém lê
meus textos com um ar desesperado e gritando e chorando e com uma
música triste, com olhos tristes e depois fica alguns instantes
calado porque se perde nos sentimentos e mais sentimentos que havia
guardado toda essa semana? Acho que não. O texto guarda palavras
silenciosas que começam e acabam aqui. Sem olhares, abraços,
lágrimas ou qualquer demonstração de preocupação ou dó.
As palavras podem ser tão fortes como
o Sol e tão lindas como o céu azulado, mas elas pararão de brilhar
na tua vista quando você simplesmente desistir de ler isso, desviar
teu olhar pra algo mais interessante ou se cansar de ler os mesmos
desabafos de sempre. O Sol está sempre aí, e não adianta querer
fugir, porque ele vai aparecer amanhã de manhã e te obrigar a
acordar. E se não for amanhã, será depois de amanhã. E até seu
coraçãozinho não aguentar mais bater, e até você poder agradecer
por finalmente não ter que ler mais nenhum livro chato com palavras
cujo você se perde ou não entende o significado. Eu acho que seja
assim com a maioria das pessoas. Mas talvez você se salve. Talvez
goste do céu azul e consiga fazer músicas lindas sobre tudo isso
aqui. Talvez você consiga usar as palavras de uma forma mais bonita
do que eu. Bonitas no sentido de feliz, porque dizem que é bonito
ser feliz. Mas visto que eu já não me importo muito com a beleza
das coisas, eu já não me importo de não sair por aí com um
sorriso e tirando fotos de paisagens floridas.
Talvez se tua voz for bonita você
prefira cantar tuas felicidades ou tristezas e se torne famoso e
amado. Talvez você viva momentos lindos e guarde todos na memória,
componha músicas sobre eles e sinta menos saudade que eu. Quantas
memórias minhas dariam uma história que alguém gostasse de ler?
Acho que as palavras chamam menos atenção que “tchu tcha tchu
tcha” ou sei lá qual é a ordem disso. Quantas frases você tem
guardada na memória para recitar todos os dias pra si mesmo para
conseguir aguentar mais um dia? Quantos livros você tem em casa e
quais são suas palavras preferidas?
Acho que a maioria das pessoas prefere
simplesmente ver um pôr-do-sol ao som de um violão. Eu também
gosto disso, muito, mas há algo que me atormenta e provavelmente me
faria ficar em silêncio torcendo para a luz não voltar a aparecer
amanhã. E ia doer e fazer surgir frases na minha cabeça que eu
esqueceria em uma hora, mas que me deixariam ansiosa para anotá-las
em qualquer lugar e torcer para alguém achá-las e me olhar e
sorrir, ou chorar, mas calados. Porque eu peguei essa mania de odiar
que recitem minhas palavras alto. Acho que é isso: elas ficam
vibrando por aí e nunca acabam, ou acabam, não sei ao certo como é
a velocidade do som, mas sei que doeria e me deixariam no mínimo
surda.
Acho que me viciei em palavras e
silêncio. Meu silêncio. O mundo não para, não se cala, não
descansa. Eu poderia passar as madrugadas sem andar ou fazer passos
de ballet apenas para não ter que ouvir meus pés batendo levemente
no chão. Não sei dizer se esse vício é pior ou melhor do que
drogas. Não se sabe até que ponto escrever me faz feliz ou triste.
Eu posso escrever uma carta para um amigo que vive em outro país e
dar mil sorrisos ao saber que ela chegou e ele pode ler minhas
palavras gritantes, mas eu posso escrever uma carta dizendo adeus a
tudo, e nunca mais chorar, nem sorrir. Talvez eu devesse temer as
palavras, mas prefiro simplesmente escrever. Provavelmente se eu as
temesse, escreveria sobre isso. Mas eu não temo, e estou escrevendo
sobre não ter medo algum de escrever letra por letra de um texto
enorme como esse. E mesmo se as palavras terminarem de acabar comigo,
eu não me arrependeria. Eu amo palavras. Assim como morreria por
amar aquele alguém, morreria pelas palavras. Eu acho bonito. Não
que eu me importe com a beleza, mas é bonito. Talvez as palavras não
gritem, mas talvez sufoquem. Talvez as palavras dancem (e eu acho que
dançam, você não vê?) e peguem teu pé de noite. Eu espero
realmente conseguir escrever sobre toda dor e todo amor e ainda
conseguir escrever adeus quando for a hora do adeus. E que isso se
torne bonito, independente da palavra a ser escrita ou do tamanho do
texto que ela formar, mais bonito que o Sol e o céu e as estrelas e
a Lua e todas essas coisas que as pessoas acham bonito. E então vai
valer a pena ter deixado de ver o pôr-do-sol para escrever um texto
quando já não há mais luz no céu, enquanto eu me escondo das
luzes da cidade. Acho que escrever é o vício mais bonito que tem.